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Voa, beija-flor! Uma homenagem à Marília Mendonça

Voa, beija-flor! Uma homenagem à Marília Mendonça – Foto: Reprodução

Voa, beija-flor!

*Por Rômulo Rossy Leal Carvalho

Até para o título desse texto, hesitei. Tenho hesitado em muito. Inclusive em escrever nesse momento. Ainda está, em um lento processamento, a notícia do acidente fatídico que ceifou Marília Dias Mendonça (1995-2021) e mais quatro pessoas, nesta última sexta (05), em Caratinga-MG. Logo, me recordei de Paulo Gustavo, cuja morte, no último dia 04, completou oito meses. Ele, porém, e outrossim lamentavelmente, já vinha entubado. O passamento de Marília foi um choque abrupto, um bombardeio silencioso que me deixou atônito.

Muitos dos artistas que despontaram na linha do sertanejo universitário, embora não seja meu gênero favorito – sempre amei, com ardor, o pop -, fizeram parte da minha trajetória como espectador e telespectador. O principal deles: Luan Rafael Domingos Santana. Pelos idos de 2010, ano de “estouro” do astro, eu estava em São José dos Campos. E aquele menino de Campo Grande-MS via sua carreira cativar multidões. Mas ele deixava, ainda perspícua, uma característica do sertanejo universitário: a predominância de cantores homens. E as mulheres? Onde estavam? Recebendo flores? Sendo traídas? Subalternizadas? Ressoava a questão.

Eis que surgiu, no meio desse jardim musical, uma voz feminina aguda que me impressionou, especialmente, pelo aspecto da afinação irretocável. Muitos hão de pensar que não é de se comparar os artistas contemporâneos com os do século passado. Mas cada época é uma época. Cada um, embora não reconheça, irá fazer memória a cantores, cantoras, compositores, compositoras, atores, atrizes, que marcaram sua própria época e seus corações. Isso é notório. E o tempo muda. Como muda!

Marília me impressionava pela qualidade – muitas vezes cara e desconsiderada por outros artistas do gênero – das suas letras no que se refere a dois conceitos que, embora tenham similitudes, não são iguais: sororidade e empoderamento feminino, na vida e na música. Quem a escutou, e quem ainda a escutará, observe bem os dilemas existenciais de tantas mulheres e até homens que se encontraram em suas canções, não somente as que compôs e interpretou, mas aquelas que “simplesmente” escreveu como é o caso de “Não teve amor”: “tem coisas na vida que a gente não perde, a gente se livra”, brilhantemente entoada por Joelma.

Posso dizer que Marília e eu somamos um mesmo tempo de carreira. Ela, talvez, um pouco mais. Com a música, oito anos. Eu, como professor, já atuo há oito também. A explosão de “Infiel”, “Supera”, “Graveto”, “Gari”, à qual faço referência aqui: “O meu cupido é gari, só me traz lixo, lixo, lixo, você é prova disso”, demonstraram que o sertanejo universitário veio morar, definitivamente, no Brasil, ainda que muitos de seus chamados expoentes tratem sempre de temas clichês. Porém, entre estes, cabe ao próprio fã refletir. Nós precisamos entender a política da canção. Ninguém arrebanha milhões de fãs com um produto mesquinho. Ou o produto tem alguma qualidade, ou o público já não apura sua própria audição.

Repito: cada tempo tem seus artistas, suas tendências, suas mágoas, saudades e formas de representação: na política, na religião e, enfaticamente, na música. Se os relacionamentos, como lembra o filósofo Zygmunt Bauman, estão se liquefazendo muito rápido, as músicas de muitos dos artistas – entre os quais estava Marília – também entraram na fila para retratar esse mosaico de bar, cerveja, sofrência, recaída, superação, vida.

Marília Dias Mendonça fará falta a uma multidão que a reconheceu pela menina sorridente, carismática, extremamente talentosa e vivaz. E, além disso, pelos seus muitos sonhos. Estes, os responsáveis por não desistir de engatar, de forma bem-sucedida, uma carreira em um ramo predominantemente masculino.

Agora, resta uma lembrança inquebrantável de uma cantora-compositora-instrumentista que gostava de brincar dizendo que “nunca soube afinar direito violão”, mas que fez carreira justamente a partir dele e de suas letras triunfantes. Resta a memória da mãe amorosa, da filha dedicada, da pessoa pública brincalhona, divertida e álacre. Rainha da Sofrência, voa! “Ah, que saudade de um beija-flor”. Voa, Marília! Voa!

* Rômulo Rossy Leal Carvalho é licenciado em História, auxiliar administrativo, escritor e imortal da Academia de Letras do Vale do Riachão (ALVAR-PI)

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