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Mel gourmet produzido no Piauí abastece restaurantes de São Paulo

Mel gourmet produzido no Piauí abastece restaurantes de São Paulo

O mel produzido em Lagoinha, povoado pertencente ao município de Novo Santo Antônio (PI), a 120 qulômetros da capital, Teresina, está adoçando as sobremesas de restaurantes renomados de São Paulo.

No apiário Sítio Alto do Mel, de 5 hectares, as abelhas Apis mellifera encontram um hábitat seguro para produzir o alimento no verão. As floradas nativas da Caatinga são determinantes para o sabor e qualidade do mel e lhe conferem o título de um dos mais puros do mundo.

Quem ultrapassou as fronteiras foi Wener Bastos, apicultor há mais de três décadas. Apaixonado pela produção apícola, ele começou com pouco mais de dez caixas, que eram colocadas em terrenos de amigos. A casa do mel onde trabalha hoje foi construída há três anos e serviu para aprimorar o trabalho de colheita e beneficiamento.

“A produção vai de janeiro a junho, período de chuvas na região”, explica o apicultor, que só no ano passado forneceu 6 toneladas de mel. De julho até novembro, as caixas são migradas para apiários no Maranhão, onde a plantação de eucalipto tem sido alternativa para apicultores durante os longos períodos de seca da região.

Mel gourmet - Sobremesa com mel servida no restaurante D.O.M, em São Paulo (Foto: Ricardo D’angelo/divulgação)
Sobremesa com mel servida no restaurante D.O.M, em São Paulo (Foto: Ricardo D’angelo/divulgação)

A chegada de Teresa Raquel, filha de Wener, também fez diferença nos negócios. Formada em jornalismo e em marketing para mídias digitais, ela levou o conhecimento para a lida no campo. “Isso aqui significa o trabalho de uma vida inteira do meu pai, que quero dar continuidade e contribuir com o que sei fazer, que é comunicar”, diz Teresa, que assumiu as redes sociais e a parte de marketing e venda da empresa Bee Mel. “As abelhas estão desaparecendo, e isso nos faz trabalhar com elas de forma respeitosa e sustentável”, afirma.

As idas ao apiário transformaram a atividade em momento de terapia. Nas redes sociais da empresa, fez sucesso o vídeo de uma colheita ao som de Beethoven e Vivaldi. “Fizemos o teste com uma playlist clássica e percebemos que não só as abelhas se acalmavam e evitavam ataques como também nos trazia uma sensação de bem-estar”, explica Teresa.

A visão empreendedora da jovem sócia levou a Bee Mel a fechar contratos e explorar novos produtos para o mercado. Em janeiro deste ano, a empresa forneceu mel para o restaurante de Alex Atala, em São Paulo – considerado um dos quatro melhores do mundo. “Foi a primeira vez que vendemos o favo inteiro, enviamos até na própria melgueira”, diz Teresa, referindo-
se aos quadros com a cera fabricada pelas abelhas para armazenar o mel.

O sub-chef do restaurante D.O.M, Geovane Carneiro, esclarece que a inovação, além do impacto visual – o cliente vê o ingrediente in natura – é a garantia de um mel fresco e com as qualidades ainda mais intactas. “Do jeito que o favo chega ele vai para o suporte e depois direto para a mesa”, nos conta o responsável pela ideia de usar o alimento como incremento no aligot, um dos pratos mais emblemáticos do restaurante. “A qualidade e as notas florais do mel realçaram ainda mais o sabor dos queijos. Foi a combinação perfeita.”

Mel gourmet no Piauí - Os favos envasados (Foto: Mauricio Pokemon)
Os favos envasados (Foto: Mauricio Pokemon)

A Bee Mel, que já fornecia o produto nas versões bisnaga e sachê, agora aposta em compotas com favo de mel. “Eu cresci com o privilégio de comer o favo que meu pai trazia do apiário”, diz Teresa, que viu na incorporação do mel à alta gastronomia um nicho de mercado pouco explorado pela empresa do pai. “Esse é com certeza um produto mais caro, mas que tem seu consumidor específico”, aposta a sócia da empresa.

O uso de agrotóxico em plantações, a prática de queimadas e o aquecimento global afetam diretamente a vida das abelhas , o que prejudica toda a produção alimentar. Dois terços dos alimentos que nós ingerimos são cultivados com a ajuda de polinização, segundo dados apresentados numa conferência na Universidade Federal do Vale do São Francisco, no ano passado.

Para dar vida longa às operárias, além do cuidado com manejo, limpeza e migração, na época de seca é preciso investir em uma alimentação suplementar para as abelhas. “Nosso suplemento é natural, à base de milho, açúcar mascavo, aveia e mel”, diz Teresa.

O apiário dos Bastos ajuda a colocar o Estado no ranking dos maiores produtores de mel do país. O mel produzido na região do semiárido corresponde a 10,6% de toda a produção nacional, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), perdendo apenas para Minas Gerais (10,9%), Paraná (14,3%) e Rio Grande do Sul (15,2%).

A bióloga Juliana Bendini, mestra em desenvolvimento e meio ambiente e doutora em produção animal pela Universidade Estadual de São Paulo, afirma que 90% da produção de mel do Piauí hoje é vendida para fora do Brasil, especialmente para Estados Unidos, alguns países da Europa e recentemente a Ásia.

Mel gourmet no Piauí - Teresa e o pai, Wener Bastos, no apiário Sítio Alto do Mel (Foto: Mauricio Pokemon)
Teresa e o pai, Wener Bastos, no apiário Sítio Alto do Mel (Foto: Mauricio Pokemon)

“Temos tipos de mel que são considerados únicos no mundo”, explica a professora. “A gente tem cerca de 300 espécies de plantas endêmicas, ou seja, que só ocorrem na Caatinga, e isso enriquece muito nosso mel”, explica.

Juliana, que é professora da Universidade Federal do Piauí, trabalha em projetos que visam à manutenção dos enxames no período seco. “Estamos testando algumas tecnologias simples e acessíveis aos produtores”, afirma. “Também temos trabalhado com educação ambiental, principalmente sobre a preservação das abelhas nativas que estão se extinguindo, como munduri e mandaçaia.”

A educação no campo também está no radar da Bee Mel. A empresa procura financiamento para o projeto Colmeia Nova, com foco na educação de jovens da zona rural para a prática da apicultura. “Essa é uma das únicas fontes de renda possível em zonas de preservação ambiental, e isso faz da atividade uma excelente alternativa”, defende Teresa. “Vai ser uma chance de inspirar outros jovens a criar oportunidades empreendedoras com altas possibilidade de sucesso”, continua. “É preciso enxergar o campo como um espaço de oportunidades, e não de sofrimento e exploração.”

Fonte: Revista Globo Rural

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