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Bolsonaro chama patrimônio arqueológico brasileiro de ‘cocô de índio’ e choca estudiosos

Formação rochosa conhecida como Pedra Furada, na Serra da Capivara. Parque Nacional no Piauí abriga a maior e mais antiga concentração de sítios pré-históricos da América

Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) demonstrou espanto em relação às declarações feitas pelo Presidente da República e ministros sobre o patrimônio arqueológico no Brasil. Em nota, a SAB condena as falas proferidas na reunião ministerial de 22 de abril, quando Jair Bolsonaro se referiu ao patrimônio arqueológico como “cocô petrificado de índio”, enquanto o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu aproveitar a pandemia para flexibilizar o licenciamento ambiental, e o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, por sua vez, disse que “odeia povos indígenas”.

Como consta em nota, a SAB repudia “falas que demonstram total desconhecimento e desprezo pela diversidade étnica e cultural do Brasil proferidas por gestores que tem a obrigação de zelar pela proteção do meio ambiente, do patrimônio arqueológico e pela integridade dos povos indígenas.”

A Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) diz que acompanhou com perplexidade as manifestações “O Presidente da República se referiu à pesquisa arqueológica prévia nos trabalhos de licenciamento ambiental e ao patrimônio arqueológico demonstrando total falta de conhecimento dos processos e nenhuma preocupação com as heranças culturais deixadas por diversas sociedades que habitaram o solo que hoje chamamos por Brasil”, escreve a entidade. Bolsonaro disse que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), para qualquer obra no Brasil, como parou a do Luciano Hang. “Enquanto tá lá um cocô petrificado de índio, para a obra, pô!”, declarou o presidente.

Ricardo Salles aventou a possibilidade de fazer uso do foco da imprensa na pandemia para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento” . “(…) O Meio Ambiente é o mais difícil de passar qualquer mudança infralegal em termos de infraestrutura, instrução normativa e portaria, porque tudo que a gente faz é pau no Judiciário, no dia seguinte. Então, para isso precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade, no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de COVID, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De Iphan, de Ministério da Agricultura, de Ministério do Meio Ambiente, de ministério disso e daquilo. Agora é hora de unir esforços para dar de baciada a simplificação”, disse o político.

Como se não bastasse, durante a reunião Abraham Weintraub afirmou que odeia o termo povos indígenas. “Odeio o termo povos indígenas, odeio esse termo, odeio. Ou povos ciganos. Só tem um povo nesse país (…) é povo brasileiro (…) acabar com esse negócio de povos e privilégios”.

A Sociedade de Arqueologia Brasileira reitera que os vestígios arqueológicos são bens únicos e não renováveis, pertencentes a toda sociedade brasileira, e que cabe à arqueologia estudar os objetos deixados por inúmeras sociedades que habitaram e habitam determinada região, visando a compreensão de suas transformações ao longo dos anos. É o IPHAN, autarquia federal vinculada hoje ao Ministério do Turismo, que responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro e, assim, pelo patrimônio arqueológico, o único responsável pela emissão de portarias que permitem a realização das pesquisas arqueológicas. O órgão também fiscaliza a qualidade científica de tais estudos, tanto no campo das pesquisas acadêmicas, como aquelas dedicadas ao licenciamento ambiental.

“Sendo assim, insinuar a flexibilização de qualquer procedimento ligado ao licenciamento ambiental ou diminuir o patrimônio arqueológico brasileiro a ‘cocô petrificado de índio’, significa não só descumprir a Constituição Federal, acordos internacionais e demais legislações vigentes. Mais do que isso, trata-se de um ataque ao patrimônio arqueológico brasileiro, bem único, não renovável e insubstituível em sua particularidade, e imprescindível para o fortalecimento de identidades e o reconhecimento de processos sociais de desigualdade e dominação. A proteção do patrimônio arqueológico brasileiro é tarefa nobre do Estado brasileiro e deveria ser uma preocupação de primeira grandeza dos gestores de todo o país”, continua a entidade no texto.

A SAB lembra que a história do território que hoje chamamos por Brasil, vai muito além da chegada de Pedro Álvares Cabral, em 1.500. São, pelo menos, 25 mil anos de história de um lugar que era antes habitado por povos indígenas. A instituição menciona que a maior parte dessa história é contatada por meio dos vestígios materiais da cultura, estudados por arqueólogos, já que os registros feitos por escrito em documentos históricos contam, por meio da visão dos dominadores, apenas os últimos 500 anos dessa história.

“Os vestígios arqueológicos, ou seja, objetos deixados pelas diversas sociedades e povos que habitaram e habitam essa parte do planeta há milhares de anos é que recontam a história desse lugar. Negar a existência de povos indígenas no Brasil é desconhecer conceitos e não reconhecer a multiplicidade de etnias existentes no território brasileiro. (…) Mesmo em um país que pouco investe ou valoriza a ciência, por meio de mais de 25 mil sítios arqueológicos já descobertos, um outro país se torna, dia a dia, evidente. As pesquisas arqueológicas contam histórias que não estão escritas, dando voz a sociedades que foram marginalizadas da dita história do Brasil”, termina.

Fonte: Estado de Minas Nacional

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