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Carne de sol do Piauí, considerada a “melhor do Brasil”, é destaque na revista Veja

Carne de sol do Piauí, considerada a “melhor do Brasil”, é destaque na revista Veja

O historiador piauiense Marcus Paixão, de Campo Maior, autor do livro “Campo Maior – Origens”, participou de reportagem especial publicada na revista Veja sobre o município localizado a cerca de 100km da capital Teresina em que fala sobre a carne de sol do Piauí ser “a melhor do Brasil”.

Ele explicou à reportagem que um boi chegou a ser trocado por dois litros de cachaça, uma vaca por cinco galinhas ou dois perus e fez as contas: “Para cada quilo de galinha, era preciso pagar com 32 quilos de carne”. Diz trecho da matéria: “Os clientes, que chegam de todas as partes, preferem adquiri-las com três dias de cura, pagando entre 32 e 35 reais o quilo. Campo Maior dispõe de carne de sol para se comer à vontade: às vezes a cidade comercializa quase uma tonelada do produto por semana. É considerada por muitos “a melhor do Brasil””.

Veja a reportagem na íntegra na edição de Veja:

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Os caminhos do charque no Brasil e a cidade de Campo Maior, no Piauí, que faria a melhor carne de sol do país.

Por J.A. Dias Lopes

Nos primeiros séculos da colonização do Brasil, os portugueses nos ensinaram a técnica de salgar a carne, colocar ao sol para completar a desidratação e transformar em charque. Tiramos proveito da lição. Os portugueses já dominavam a técnica, aplicando-a não só na preservação de peixes – o maior exemplo é o bacalhau -, como das carnes em geral. Carregavam esses gêneros em suas caravelas descobridoras, tornaram-se imprescindíveis na alimentação das tripulações e sobrevivência no mar.

Curiosamente, nosso charque industrial começou a ser produzido no Nordeste – e não no Sul, onde historicamente pastava o grande rebanho bovino nacional; hoje, encontra-se no Centro-Oeste. O pioneirismo nordestino se deveu a fatores particulares. Foi na região que os portugueses encontraram os melhores locais para represar a água do mar, evaporá-la e liberar o sal. Além disso, havia rebanho bovino suficiente na região, pastoreado e multiplicado a partir do século 17, com a implantação das fazendas de gado.

O charque era a única possibilidade de conservação da carne em uma época na qual inexistia a refrigeração elétrica. Também rendia dinheiro. Conduzidos vivos para os mercados consumidores, os animais perdiam peso e se desvalorizavam. Quando abatidos para fazer charque, a situação mudava. O alimento durava meses e podia ser transportado para longas distâncias. Seus centros de produção enriqueceram e o povo se deu ao luxo até de importar confortos europeus. Os navios que levavam o produto traziam louças, talheres, cristais, móveis, livros, bebidas etc.

Gravuras de Debret: Testemunhas do ciclo do charque no Rio Grande do Sul (Divulgação)

Conforme alguns historiadores, a industrialização do charque começou em São José do Porto dos Barcos, hoje Aracati, no Ceará, conhecida pela praia da Canoa Quebrada e seu animadíssimo Carnaval. Daquela cidade saiu o português José Pinto Martins, fugindo da desastrosa “seca dos três setes”, que durou de 1777 a 1779. A falta prolongada de chuva provocou uma crise econômica e social sem precedentes. Multidões migraram para outros recantos do país.

Pinto Martins mudou para o Rio Grande do Sul e se diz que fundou a primeira charqueada da região, às margens do arroio Pelotas, no município homônimo. Com essa iniciativa, inaugurou o ciclo de ouro do charque no Brasil. O pintor e desenhista francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), retratou a atividade em duas famosas aquarelas sobre papel, de 1828 e 29. Em uma delas gaúchos abatem animais; a outra mostra a charqueada para onde se destinavam. No Rio Grande do Sul o charque recebeu seu nome. Até então era conhecido como carne-seca e carne do Ceará.

A “nova” designação veio de charqui, da língua indígena quíchua, ainda hoje falada por grupos étnicos andinos da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Na elaboração do produto, desossa-se a carne, habitualmente bovina, tirada da parte dianteira do animal e da ponta de agulha, situada entre a parte dianteira e traseira; corta-se em mantas (pedaços grandes e delgados), salga-se abundantemente, empilha-se e se deixa em galpões ventilados. A seguir, lava-se ligeiramente a peça, a fim de retirar o excesso de sal e, por último, seca-se ao sol.

Loja especializada em Carne de Sol: existem mais de vinte em Campo Maior (João Allbert/Divulgação)

O Nordeste continua a desidratar a carne à moda antiga, mas agora prefere empregar um método diferente. Utiliza toda a carcaça bovina, pulverizada com menor quantidade de sal. Submete-a a tratamento rápido. O alimento fica internamente úmido. A carne também pode ser caprina ou ovina. Denomina-se o produto final de carne de sol, carne do sertão ou carne de vento.

Um dos mais conhecidos centros do seu preparo se encontra no Piauí, a 84 quilômetros da capital Teresina. É a cidade de Campo Maior, com mais de trezentos anos de existência e pouco mais de 45 mil habitantes. Encontra-se cercada por uma vegetação de transição para caatinga, dotada de vegetação rasteira e poucas árvores. Os campos planos, conhecidos como campinas, ocupam extensas áreas adequadas à pecuária. O gado chegou ali no século 17 e se multiplicou. Resultou tão numeroso que os preços despencaram.

Segundo o historiador Marcos Vinícius Paixão, no livro “Campo Maior – Origens” (Edição do Autor, Piauí, 2015), um boi chegou a ser trocado por dois litros de cachaça, uma vaca por cinco galinhas ou dois perus. O autor fez as contas: “Para cada quilo de galinha, era preciso pagar com 32 quilos de carne”.

Campo Maior é cortada pela rodovia BR-343, que atravessa o Piauí no sentido diagonal. Ao longo do trecho urbano existem cerca de 20 açougues. Outros funcionam perto da  rodoviária. Compram a carne de abatedores e a convertem, no próprio local da comercialização, em carne de sol. A seguir, deixam o produto à venda, dependurado em ganchos, em locais abertos e ventilados, parecidos com palhoças. Peças inteiras de carne de sol e úberes (mamas das vacas) ficam expostas ao público, consumidor tradicional ou turista.

Os clientes, que chegam de todas as partes, preferem adquiri-las com três dias de cura, pagando entre 32 e 35 reais o quilo. Campo Maior dispõe de carne de sol para se comer à vontade: às vezes a cidade comercializa quase uma tonelada do produto por semana. É considerada por muitos “a melhor do Brasil”. Alguns dos seus destinos culinários: coxinha frita (substituindo a carne de galinha), grelhados, churrasco na brasa, frituras, escondidinho de macaxeira (mandioca), arroz Maria Isabel, paçoca de pilão e cobertura de pizza junto com queijo coalho.

Em Teresina, há restaurantes especializados em carne de sol, sendo mais famoso o São João, com três endereços. A matriz se localiza na Rua João Cabral, 2340, no bairro Pirajá. Mas o São João não compra carne de sol de terceiros, cozinha a de sua elaboração própria. Usa filé mignon curado no sal, que vai à mesa em porções de 300, 500 ou 800 gramas; ou, então, pesando um quilo.

Antes de colocar na travessa ou prato de servir, frita a carne na frigideira e depois a mergulha na manteiga da terra ou de garrafa. Acompanha vinagrete, baião de dois, farofa e macaxeira cozida, que convertem o almoço jantar em uma refeição completa. Popular e apetitosa, a carne de sol só necessita de um reparo: tem nome paradoxal. Na prática, entretanto, não vai ao sol durante o processo de desidratação, “para evitar endurecer”, Portanto, deveria chamar-se carne de vento, o nome antigo, ou então de carne de sombra.

 Fonte: Oito Meia
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