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Crônica: Casacos de lã (Por Francisco de Assis Sousa)

Por Francisco de Assis Sousa

É pela metade do mês de junho que a temperatura começa a cair no sertão nordestino. Até as primeiras semanas de agosto, ela permanece assim, sorrateira, simpática, atrevida. Os sufocantes 40 graus em média, registrados no restante do ano, começam a ser substituídos por caprichosos 20, por vezes, 16. Nas madrugadas, quem sabe, no topo da Chapada do Araripe, na fronteira entre os estados do Piauí, Ceará e Pernambuco, não alcance os 10?! Só fazendo a medição para saber.

Madrugadas frias e manhãs alegres no sertão nordestino – Imagem: Prof. Francisco de Assis Sousa

As noites ventiladas sopram as folhas das árvores, arrastam as secas que se encontram estacionadas no solo; a aroeira balança violentamente os braços e dança o tempo que a música insistir em tocar. Um zumbido produzido no chocar com a cumeeira da casa, desperta a vida do sono cansado. Da alcova, ouve-se o pisar do vento no abrir e fechar da mata. Os cobertores são chamados para aquecerem os corpos vazios. As crianças, assustadas com o barulho no telhado, perguntam o que é aquilo. O pai diz que a “cruviana” está solta!

Há quem diga que a temperatura baixa e o céu em nuvens, que se apresenta em cor acinzentada, seja o prenúncio de acontecimentos ruins, de coisas que venham a abalar o  sossego do sertanejo: acidentes, mortes, por exemplo. O produtor de castanha diz que o vento leva a flor do cajueiro embora, o que comprometeria a safra. Esbraveja dizendo que o caju não gosta desta friagem, bom mesmo seria uma chuvinha que levasse água para a raiz da planta.

Ao amanhecer, um mormaço cobre o horizonte. A vegetação em volta, os olhos não alcançam. O caboclo coloca a mão sobre a testa e chama esse fenômeno de neve. Tem a neve seca e a de água. Se for de água, é sinal de bom inverno, no ano vindouro; mas, se for seca, é seca que iremos ter. No curral, o rebanho não tem pressa para ganhar o pasto, está preguiçoso e sem fome. Parece dizer que deseja curtir, mais um pouquinho, o aconchego de seus aposentos.

Neste período, vive-se o tempo das madrugadas frias e das manhãs alegres, com ventos frescos a roçar no rosto. No restante do dia, uma camada de nuvens ajuda a proteger a terra da força triunfante dos raios solares, que almejam acabar com a festa. Com esta pequena ajuda, a temperatura permanece amena, sorridente, gloriosa. Ah, se o sertanejo tivesse, ao menos, por seis meses no ano, o clima que ora se apresenta! A sua disposição para viver ganharia um impulso maior, seus olhos seriam morangos na flor da idade; e suas peles, casacos de lã.

Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. Mestrando em Ciência da Educação pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia de Lisboa – Portugal

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