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Crônica:Tecendo sonhos: luzes no breu. O seminário da ALERP sob a ótica de Rômulo Rossy Leal Carvalho

Nossos votos de felicitação e longevidade à emanação de vida da ALERP. Que a Academia continue, com seus sócios e a comunidade em derredor e com o mundo, a lançar luzes no breu de todo e qualquer obscurantismo, tecendo a poesia que subsiste nos corações irrequietos e sedentos de ressignificação da existência por meio da palavra.

Por Rômulo Rossy Leal Carvalho

Prof. Francisco de Assis Sousa, presidente da ALERP e apresentador do evento.

   A realização do XIX Seminário de Literatura Piauiense e XVI Seminário de Literatura Picoense, que ocorreu entre os dias 20 e 21 de outubro, pela Academia de Letras da Região de Picos, foi fenomenal. Ademais, descerrou a sacramentação, neste ano de 2023, de mais feixes da tecitura de sonhos e da rutilância de luzes no breu de obscurantismos — que o diga todo aquele e aquela que teve a honra de participar, e não somente telever o evento sublime.

Os dois eventos — enovelados em um — foram capitaneados, magistralmente, pelo professor, escritor, acadêmico e atual presidente da ALERP, Francisco de Assis Sousa, que, atendendo ao rito das luzes, desvelou desenvoltura na apresentação e seu robusto compromisso com a Instituição fundada em 1989.

O encontro, na sua riqueza, transmitido pelo canal oficial (YouTube) do sodalício das letras picoenses e da macrorregião, foi multicolorido. Reunindo palestras densas, esteve, a todo instante de sua duração — que permanecerá vivida por muito tempo, pela sua solidez — munido de poesia em todas as suas manifestações: sonoridade, musicalidade, sentimentalidade e dorso político — a política do amor, da ternura, da criatividade e da responsabilidade social da ALERP.

Dois dias de homenagens dedicadas — recitação de poemas de sua autoria — ao poeta e acadêmico Chico de Júlio, que fez o corte entre o tempo e o vento em 2020 e para quem nosso ilustríssimo Gilson Chagas escreveu: “(…) Ele foi uma personalidade incomum. Tinha a visão  das águias e a proatividade destemida. Um pensar grande que arregimentava os maiores, sem excluir os pequenos (…)”.

A cordelista Ilza Bezerra lançou dois cordéis.

Em ambos os dias, fomos galardoados de atrações cativantes e edificantes. Assistimos ao lançamento de mais duas obras, em literatura de cordel, da cidadã do mundo Ilza Bezerra, que, de forma afiada e memorável, trouxe a lume mais dois novos cordéis: “Felícia, a Princesa dos 7 Reinos” e “Angelita e sua Cacimba de Beber” — apresentados de forma alegre e convidativa, além do senso de curiosidade despertado.

A palestra do professor, historiador e acadêmico da ALVAR Rômulo Rossy Leal Carvalho a respeito de uma das vozes indígenas mais proeminentes no Brasil, na atualidade: Ailton Krenak, recém-eleito para a Academia Brasileira de Letras — cadeira 5, conferiu um tom de diversidade e um panorama histórico e recortado da trajetória, inclusive discursiva, da ideia de indianidade para Krenak.

Prof. Rômulo Rossy apresentou Ailton Krenak

Na conferência, o mestrando em Antropologia Social pela USP trouxe um depoimento do próprio pensador burum que refletiu que estar na ABL não é uma aventura, mas uma forma de resistir à derrocada a que são submetidos, todos os dias, os indígenas que se garantem — aqueles que realmente criam subjetividade e alargam os campos de resistência pela existência, pela vida — no seio de uma democracia constantemente atacada aqui e alhures. E que chegar lá (à ABL) não é sinal de estabilidade ou sagração da indigenização da política nacional neste país.

Fomos brindados, com muito fascínio, pela obra do grande intelectual Eneas Barros, pesquisador profícuo e prolífico que, tendo escarafunchado aspectos biográficos, históricos e até biológicos, da escravizada Esperança Garcia, trouxe-nos uma compreensão mais ampla dos muitos e potentes interstícios entre a história e a literatura — e devemos registrar toda a dimensão gigantesca do seu trabalho, que é deveras amplo.

Enéas Barros trouxe uma interessante conversa sobre Esperança Garcia.

Na noite seguinte (21/10), foram divulgados os resultados do Concurso de Poesia deste ano — que contou com inscritos de várias regiões do Brasil e até do exterior (Suécia) —, cujo vencedor, na categoria adulto, foi o cearense Mauro André Oliveira (Seu João), residente em São Paulo capital, que nos brindou com “O Cajueiro”, um soneto de memória, brilhante, com traços fincados em realidades que ainda hoje compõem o tecido social de muitos sertanejos que esperam a chuva passar, debaixo de uma árvore, quando ela vem, e anos depois, pela poesia que lhes corre nas veias, transpõem ao papel seus sentimentos mais diletos.

Acadêmico Josselmo Batista Neres, presidente da Comissão Julgadora do Concurso de Poesia 2023

Na categoria infanto-juvenil não foi o oposto. Foi alçado ao primeiro lugar do pódio o poema “Momentos Amarelados”, de Davi Laureano Alves, também da maior cidade do país, nos mostrando que a literatura, em sua pujança, está viva e caminhando, e que nós somos partícipes e artífices dessa arte perenal. O processo de julgamento dos textos, em ambas as categorias, foi conduzido pelos acadêmicos da ALERP: Josselmo Batista Neres e Vilebaldo Nogueira Rocha, e pelo professor mestre e membro da União Picoense de Escritores (UPE), Luiz Egito de Sousa Barros.

Aos que lograram êxito em segundo e terceiro lugar no pódio dos classificados, e também aos que receberam menção honrosa, fica a certeza e o estímulo para a prossecução da crença na literatura como uma forma de existir, resistir e fulgurar. O Concurso foi o maior da história da instituição no que tange à cifra de inscritos: 20 na categoria infanto-juvenil e mais de 80 na categoria adulto.

A fotógrafa Rosa Melo lançou o livro Poemas para a Vida, Imagens para a Alma.

Chegamos, então, no segundo dia, ao vislumbre da caatinga aprendida e apreendida, numa absorção envolvente, sadia e mágica de Rosa Melo, a Rosa da Caatinga, com seu rebento “Poemas para a Vida, Imagens para a Alma”, que, de Pio IX-PI para o mundo, nos orgulha pia e densamente, pela sua ágil e peculiar forma de fotografar a vida esparsa nos espinhos, nas folhagens, nos desalinhos; caminhos e descaminhos.

E, ainda, pudemos contemplar, sem romantizar ingenuamente, a magnitude de outro tema tão basilar para o presente e para o futuro das gerações vindouras, sem desvencilhar-se de um passado que não acabou — pelo racismo estrutural que, de acordo com o antropólogo e professor emérito da USP Kabengele Munanga, no Brasil assume uma roupagem mascarada, e está expresso numa linguagem que ocupa minuciosamente espaços institucionais, como tão bem lembra a historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz.

Professora Luciana Lis fez um Panorama da Afro-literatura brasileira Contemporânea.

Referimo-nos à palestra de Luciana Lis sobre o panorama afro-literário contemporâneo do Brasil. Se somos carregados de silêncios e/ou medos, e ainda preconceitos, uma instituição como a ALERP não estará como a voz, mas será, e sempre pode ser, um espaço de escuta, troca de ideias e canalização deste e de outros temas tão caros à construção sempre contínua da democratização da literatura (indígena, afro-brasileira, branca) tanto no acesso como na promoção e socialização desta em nosso país.

No trato da produção de cultura na região, no Brasil e até no exterior, sempre criamos expectativas. Às vezes, não sucede o que esperamos — em termos de audiência, de reconhecimento, de compreensão, de diálogo  —, porém, é sempre salutar recordar que o poeta é um ser que divaga e, ao mesmo tempo, recolhe seus silêncios e lê seus dissabores e seus júbilos, cada um, à sua maneira, e está pronto para se erigir quando querem quebrantá-lo.

Nossos votos de felicitação e longevidade à emanação de vida da ALERP. Que a Academia continue, com seus sócios e a comunidade em derredor e com o mundo, a lançar luzes no breu de todo e qualquer obscurantismo, tecendo a poesia que subsiste nos corações irrequietos e sedentos de ressignificação da existência por meio da palavra.

Rômulo Rossy Leal Carvalho é professor, historiador e escritor. Membro da Academia de Letras do Vale do Riachão (ALVAR).

Veja mais fotos!

O ator Flávio Guedes homenageou Chico de Júlio com o poema Meus Picos Véio.
A professora Eva Graça apresentou o poema A vida.
O poeta Vivebaldo Rocha recitou Divagando, de Chico de Júlio
O prof. e poeta Dedé Luz homenageou Chico de Júlio com o poema Ego.

Graça Moura homenageou Chico de Júlio com o poema Carnaval

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