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Tragédia que matou os piauienses Demerval Lobão e Marcos Parente completa 60 anos

Tragédia que matou os piauienses Demerval Lobão e Marcos Parente completa 60 anos

Se hoje os candidatos dispõem de muitos meios para chegar aos eleitores, isso não acontecia em boa parte do século XX, quando a campanha era feita no corpo a corpo e os comícios representavam as principais vitrines eleitorais. Viajar era preciso, embora a falta de rodovias pavimentadas significasse um imenso desafio aos candidatos. E, durante a campanha eleitoral de 1958, mais do que um risco no horizonte, uma destas viagens se transformou em uma das piores tragédias já registradas no Piauí. Após uma colisão envolvendo um carro e um caminhão-caçamba, restou um saldo de 11 mortos e 10 feridos. Entre as vítimas fatais, dois dos mais importantes políticos piauienses: os deputados federais Demerval Lobão (PTB), candidato a governador; e Marcos Parente (UDN), postulante a uma vaga ao Senado. Os parlamentares personificavam a aliança Udeno-petebista, batizada de Oposições Coligadas. Eles vinham de uma intensa rotina de viagens e comícios, quando sofreram o acidente que mudaria não só o destino dos dois, mas de todo um cenário eleitoral.

Era um dia como hoje, 4 de setembro, há exatos 60 anos. Início de uma manhã ensolarada, como quase todas as que permeiam o período do “B-R-O Bró”. E o quilômetro 14 da BR-316, entre Teresina e Morrinhos (atual Demerval Lobão), delimitava o local da tragédia. Os candidatos estavam a menos de um mês das eleições, marcadas para 3 de outubro. Naquela manhã, eles tinham como destino as cidades de Água Branca e São Pedro do Piauí, onde pretendiam participar de comícios. Lobão e Parente viajavam num Mercury 1951, conduzido pelo experiente motorista José Raimundo Martins Gomes. O automóvel, que também levava o médico carioca Rubens Perlingeiro e o advogado piauiense José Ribamar Pacheco, liderava um comboio com mais dois veículos, um Jeep Willys 1957 e um Ford F1 1951, ocupados pelo restante da comitiva. Em direção oposta, o caminhão-caçamba seguia para Teresina levando 16 cassacos – operários que trabalhavam nas obras da BR-316.

A rodovia federal era uma via de piçarra, sem pavimentação, e passava por obras, conduzidas pelo Departamento de Estradas de Rodagem – DER/PI. Embora o dia estivesse claro, uma nuvem de poeira erguia-se no rastro dos veículos e diminuía a visibilidade no caminho. Estava criado o cenário para o acidente que, mais tarde, entraria para a História do Piauí como o “Desastre da Cruz do Cassaco”. Pouco antes da batida, o motorista da caçamba imprimiu uma maior velocidade para ultrapassar um caminhão, sem perceber que outro veículo vinha em direção a Morrinhos. O choque foi inevitável. E fatal. Os cinco ocupantes do Mercury morreram na hora. Assim como seis operários que viajavam no caminhão do DER. Os outros 10 passageiros ficaram feridos, boa parte deles em estado grave.

Os demais integrantes da comitiva de campanha chegaram ao local minutos após o acidente. O barulho da batida também levou muitos curiosos à cena da tragédia. A notícia da morte dos principais líderes das Oposições Coligadas logo se propagou pelas ondas do rádio. Em pouco tempo, o Piauí comentava sobre o acidente que matou Demerval Lobão, Marcos Parente e outras nove pessoas. O noticiário também repercutia a comoção da multidão que se reunia em frente ao Hospital Getúlio Vargas, em Teresina, para onde os mortos e feridos foram levados. O corpo de Demerval Lobão seria, mais tarde, velado na Assembleia Legislativa do Estado, enquanto o de Marcos Parente seria enviado para o Rio de Janeiro, então capital federal, onde residia a família do parlamentar.

Em 1958, assim como agora, o Brasil estava em plena campanha eleitoral. No Piauí, 232.368 eleitores (18,19% da população) podiam votar naquele pleito. Os candidatos disputavam o Palácio do Karnak, uma vaga ao Senado, sete à Câmara Federal, 32 à Assembleia Legislativa, além dos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador em 71 municípios do estado. De um lado, a chapa governista reunia o maior grupo oligarca do Piauí, sob o comando de Pedro Freitas, do PSD, que governou o estado de 1950 a 1954 e afiançou a eleição do cunhado, o então governador General Gaioso e Almendra. E, em 1958, Freitas indicara o filho, José Gayoso, para disputar o Karnak e continuar a gestão do tio. A chapa governista ainda contava com Mendonça Clark, candidato ao Senado, completando a Coligação Democrática Piauiense, que unia PSD-PSP.

Do outro lado da disputa, estavam as Oposições Coligadas, tendo como principais representantes Demerval Lobão e Marcos Parente. Ainda na oposição, o deputado estadual Petrônio Portella apresentava-se como candidato a prefeito de Teresina. A campanha no Piauí indicava uma disputa acirrada, mas ninguém esperava que uma tragédia mudasse o cenário eleitoral no estado, atingindo, de um jeito ou de outro, as coligações que se opunham naquele pleito. As mortes de Lobão e Parente deixaram governistas e oposicionistas atônitos. E, a partir do acidente, o discurso adotado na campanha eleitoral ganhou um novo rumo, que iria refletir no resultado das urnas.

Oposição faz uso político da tragédia

O ex-governador Pedro Freitas estava a caminho de Picos, seguindo pela mesma BR-316, quando, pouco tempo após o acidente, tomou conhecimento da morte dos seus principais adversários na campanha daquele ano. Algumas pessoas, incluindo o candidato Mendonça Clark, acompanhavam o ex-governador na viagem, que acabou interrompida em Valença. A comitiva governista foi recebida na cidade, ainda pela manhã, pelo deputado valenciano Alcides Nunes (PSD). Em seguida, o parlamentar conduziu o grupo até a casa do professor e dentista Antônio Rocha, que dispunha de um moderno aparelho de rádio, além de “pilhas de mil horas de duração”, uma novidade bem-vinda para uma Valença que ainda não contava com o abastecimento regular de energia elétrica. Em torno deste rádio, na casa do professor, a comitiva governista reuniu-se para acompanhar as notícias que chegavam da capital.

Antônio Rocha, hoje com 95 anos de lucidez, recorda do clima de comoção em sua casa. Segundo ele, o ex-governador Pedro Freitas pouco falava, tentando processar as informações do noticiário. Ao mesmo tempo, conforme o professor, Mendonça Clark defendia a suspensão do comício de Picos, marcado para a noite daquele dia, uma sugestão acatada pela maioria. Apesar de ter recebido a comitiva governista na própria residência, Antônio Rocha engajava-se na campanha oposicionista de Demerval Lobão e Marcos Parente, tendo participado de algumas viagens acompanhando os candidatos. Dois ou três dias antes, durante um comício em Pimenteiras, ele discursou ao lado de Lobão e Parente. Hoje, morando em União, o professor ainda tem muito presente a imagem dos principais nomes da aliança Udeno-petebista nas eleições de 1958: “Na campanha daquele ano, o Marcos Parente vinha sofrendo com uma crise de gastrite e sempre carregava no carro uma garrafa de leite para amenizar os efeitos da doença. Já o Demerval andava bem-humorado e tinha aquele jeito de galanteador”, recorda.

A simpatia de Demerval Lobão, no entanto, não garantia favoritismo no pleito daquele ano. Em geral, as eleições eram mais favoráveis aos candidatos da situação, embora, na campanha de 1958, a disputa estivesse muito equilibrada. Só que esta equivalência de forças seria alterada pelo “Desastre da Cruz do Cassaco”. E pela exploração política do evento, que beneficiou os novos candidatos majoritários da oposição. O deputado federal Chagas Rodrigues assumiu a cabeça de chapa, em substituição a Lobão, enquanto a vaga de Marcos Parente foi ocupada pelo irmão dele, o comerciante Joaquim Parente, que residia no Rio de Janeiro e não passava de um ilustre desconhecido no Piauí. Até as eleições, os novos candidatos tinham menos de um mês para conquistar o eleitorado piauiense. Logo após o acidente, em que o luto era mais intenso e respeitado, os candidatos da oposição foram poupados de críticas mais severas, como era de praxe antes da morte de Lobão e Parente. Os jornais da época funcionavam como extensões partidárias e, habitualmente, defendiam seus grupos políticos, ao mesmo tempo que desferiam duras críticas aos oponentes, enfatizando questões pessoais e não as posições políticas. Mas, diante do luto coletivo, os jornais governistas substituíram as acusações pelas mensagens de pesar e consternação. E, com a aproximação das eleições, algumas publicações retomaram as críticas, mas sem a agressividade rotineira. A preocupação com o tom das críticas representava um cenário bem diferente do registrado antes da tragédia, quando o Jornal do Piauí, por exemplo, ligado ao PSD de Pedro Freitas, definia Demerval Lobão como um homem “Sem lar, rancoroso e vingativo, já em avançada idade sem produzir nada de útil à sociedade”.

Outras publicações situacionistas, como o jornal O Dia, também carregavam nas tintas para apresentar o candidato a governador da oposição como uma pessoa degenerada, sem compromissos com os valores morais. Mas este tipo de julgamento perdeu fôlego após aquela manhã de 4 de setembro. Era difícil denegrir a imagem dos candidatos da oposição vitimados por tamanha tragédia. E as lideranças da coligação UDN-PTB souberam tirar proveito da situação. Jornais como a Folha da Manhã, de propriedade do deputado Marcos Parente, usaram suas páginas para destacar as figuras dos políticos mortos, que foram elevados à condição de mártires. Os elogios, claro, beiravam o exagero e tinham como principal objetivo fortalecer as candidaturas oposicionistas nas eleições daquele ano.

Urnas fortalecem novas lideranças

Com o resultado do pleito, ficou patente o sucesso da estratégia: as Oposições Coligadas venceram a disputa para todos os cargos majoritários em 1958. Chagas Rodrigues conseguiu 101.525 votos (55,13%) e foi eleito governador do estado. O vice dele, o udenista Tibério Nunes, também venceu o pleito com 96.440 votos (51,43%), superando o vice governista, Agenor Almeida (PSP) – na época, o eleitor votava separadamente para governador e vice. E Joaquim Parente teve a votação mais expressiva naquela eleição, com 103.597 votos, garantindo a vaga ao Senado. A partir do “Desastre da Cruz do Cassaco”, o cenário político piauiense passou por grandes mudanças, permitindo que novas lideranças ganhassem musculatura na disputa eleitoral, a exemplo de Petrônio Portella (UDN), que, naquela mesma eleição – e abrigado na chapa oposicionista -, venceria a disputa para prefeito de Teresina com 15.551 votos (65,1%). Mas o grupo político vitorioso em 1958 não ficaria unido por muito tempo. Durante sua gestão, Petrônio Portella romperia com o governador Chagas Rodrigues e, nas eleições seguintes, em 1962, chegaria ao Palácio do Karnak, numa coligação entre o seu partido e o PSD.

E foi no governo de Petrônio Portella, em 1963, que o povoado de Morrinhos seria elevado à categoria de cidade, passando a se chamar Demerval Lobão, em homenagem ao político que perdera a vida no local cinco anos antes. Marcos Parente também virou nome de município, só que ainda no governo de Chagas Rodrigues, em 1962, quando o povoado de Tinguis desmembrou-se de Guadalupe para alcançar o status de cidade. E uma homenagem coletiva aos 11 mortos naquele 4 de setembro de 1958 ganhou a forma de um monumento de concreto, no mesmo lugar onde, antes, existia apenas uma pequena cruz lembrando a tragédia. O monumento, erguido pela Prefeitura de Teresina, na gestão do prefeito Heráclito Fortes (1989-1992), acabou sendo derrubado em 2014, durante as obras de duplicação da BR-316. Junto com o monumento, foi abaixo parte da memória do estado.

Fonte: Portal Gurgueia

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